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  1. Ep #3 Aquele do dia dos pais

    domingo, 9 de agosto de 2015

    Sol, calor, assim começava aquele dia de agosto que de certo demoraria mais que o normal para terminar, talvez não propriamente demorasse, no sentido denotativo da coisa, mas se é que me entende, teria a sensação de durar mais que o recomendado. Não me entenda mal, não odeio dias como este, só os acho demasiado comerciais para qualquer argumento a contra gosto do meu,  mesmo assim levantei da cama e desci até a cozinha ainda de pijama para preparar um café bem quente e ir atrás de pães e tudo que talvez fosse do agrado do bom e já velho homem que habitava aquela casa, seriam 20 naquele dia, vinte como aqueles de preparação e comemoração sendo um na realidade, eu era sua primeira chance de comemorar tal data, me perguntava se para ele aquilo realmente valia. Acredito que nunca saberei.

    Enquanto eu preparava o pão, o café seguia coando, cantarolava eu uma canção das tantas quantas a pessoa da qual era responsável para degustação do café, me ensinara. Talvez eu começasse a acreditar naquela preparação toda que tal dia não fosse apenas uma desculpa das lojas de entucharem compras em seus consumidores para que enfim tivessem o lucro que compensasse o mês, talvez estivesse eu acreditando que devessem existir dias assim, dos quais você deva refletir se está sendo "um bom filho", ou quais situações engraçadas, dramáticas ou esquisitas vocês já passaram juntos. Tirei o pão da frigideira enfeitando-o num prato branco com flores amarelas, sentei e ao olhar para o nada, lembranças vieram como um jorro. 

        " Estava sentada na rede que ficava pendurada no quintal, debaixo da área coberta, sempre me direcionava para lá quando estava pensativa ou tristonha. Depois de uns minutos ali em silêncio, ouvi passos e olhei curiosa para trás, meu pai que chegava bem devagar sorrindo, sentou-se na rede também e dali a pouco começou a balançar bem devagar só para que pudéssemos relaxar mais facilmente. A rede era grande e guardava os dois tranquilamente. Eu sabia mesmo naquela época com apenas meus sete ou oito anos quando meu pai estava preocupado com alguma coisa, seus lábios sorriam, porém seu pensamento e olhar estavam bem distantes:
           - Então é só sorrir que tudo se resolve? - falei tirando-o do transe, o que só aumentou seu sorriso.
         - Sim, com o mais belo sorriso, tudo começa a se resolver - estiquei os lábios, dando vida a um sorriso forçado, daqueles que é facilmente quebrado. Depois de um tempo ali com os lábios  esticados eu me cansara.
           - Nada aconteceu, você mentiu pra mim! - abaixei a cabeça tristonha.
          - Eu não menti, você que não entendeu o que eu disse - mexeu no meu cabelo - quando digo sorrir não é o simples ato em si, é enfrentar a vida de cara erguida e achar solução para seus problemas desajustados, é encontrar fé onde só há desgraça, é ter amor quando o que você menos quer... é sorrir.
           Não pude evitar, sorri deliciosamente, abraçou-me sem pensar duas vezes  esperançoso que talvez eu tivesse realmente entendido o significado de um sorriso. Uma memória entre tantas outras..."

    Suspirei nostálgica, eu sabia que ele sempre estaria nos meus pensamentos independente de onde eu estivesse, assim como um guia, um anjo, era isso, meu pai era meu anjo da guarda. Coloquei o café na xícara e junto com os pães numa bandeja, subi as escadas e fui até seu quarto coloquei na cabeceira de sua cama junto com uma carta, dei-lhe um beijo na bochecha acordando-o, sussurrei em seu ouvido "Feliz dia, pai" e voltei para meu quarto. Na carta continha:

       " Pai,

         Talvez eu não consiga demostrar meus sentimentos com palavras ditas tanto quanto consigo escrevendo-as em verso. Talvez eu tenha herdado isso da minha mãe, talvez... Talvez eu tenha muito a falar e só não consiga. Talvez eu queira compartilhar contigo todas minhas novidades e mudanças que pertencem a minha vida,  mas por motivos maiores eu ainda não possa. Talvez eu não deseje nada além de felicidade e amor na sua vida, mas talvez eu deseje que consiga experimentar mais do que essa vida simples que você leva possa lhe proporcionar, você apenas tem quarenta e poucos anos, ainda consegue experimentar um montão de experimentos e aventuras, o mundo foi feito pra ser conhecido e explorado meu velho, pra ser explorado!
         Talvez eu não tenha sido a melhor filha do mundo em alguns anos, talvez eu não tenha proporcionado tanto orgulho quanto eu desejaria, talvez eu ainda dependa do seu amor e aprovação para me tornar mais feliz, só talvez. Talvez eu acredite ter vivido tanto ao seu lado e te aproveitado tão pouco, talvez a vida seja assim mesmo, apenas uma amostra grátis do tempo que podemos passar ao lado de quem amamos de verdade. Talvez você tenha sido bem mais que apenas só um pai pra mim, você foi mãe e avô e irmão e amigo, foi tudo que precisei que fosse, foi o herói e foi o vilão, foi aquele em que eu confiei minha vida, e ainda confio. Sempre forte e nunca demonstrando fraqueza. Porém em momentos de profunda dor e perda eu vi o quanto você também podia ser fraco, podia ser humano e que eu tinha o dever de me tornar forte para poder ser um pouco que fosse parecida com você, engraçado pai que outro dia estava a olhar uma fotografia nossa, das de agora, as das que já sou mulher, pois é pai, sou mulher. Enfim, estava a olhar, eu que até então não via semelhança em nossos rostos, vi que meu desenho da boca é verossimilhante ao teu, que os narizes até podem ser confundidos, que os olhos quando sorriem produzem as exatas rugas e que temos os mesmos traços em varias partes, agora entendo quando dizem "Ela é a sua cara" e não é que sou mesmo?
           Talvez pai, eu tenha me esquecido em vários momentos em declarar seu valor, mas jamais esquecido dele. Talvez você sempre será o meu herói e eu acredite que nada poderá te enfraquecer. Talvez eu entenda que você seja um conservador, ao mesmo tempo você se mostre tão mente aberta. Talvez eu seja a pessoa que mais te conheça, talvez não. Talvez eu só precise de você me abraçando sem motivo, talvez só precise de um "Vem cá branquela do pai". Talvez eu te considere o homem mais lindo do mundo, ainda mais quanto joga o cabelo para trás a la Elvis, talvez eu te ame muito mais do que consiga demonstrar, talvez eu te agradeça pelas aulas de violão que me deu com tanta boa vontade, ou das noites de cantoria, pelas broncas e "nãos" com justificativa, sempre odiei um não sem justificativa. Talvez você não seja o homem mais religioso do mundo, mas tem uma fé imensa em si mesmo. Talvez eu não tenha a personalidade parecida com a sua já que sou introvertida e você sempre alegre e brincalhão, talvez tivesse que ser assim. Talvez você foi um dos únicos que pelo menos aceitou minha escolha de ser escritora, pois sabe que eu e os livros temos um romance eternizado. Talvez você entenda meu jeito de amar, e meu jeito de ignorar quem me inferniza, talvez você não me julgue ou questione, somente me ame. Talvez, não... Eu certamente nunca quero te perder, por tantos motivos que de certo não cabem em uma carta, e não estou aqui assim, entregando-lhe tudo que tenho dentro de mim só porque estamos nesta data comemorativa, mas por que são reais e eternas.

                                                                                 Feliz dia Pai.
                                                                                     Sua filha mais velha."


    Deu-se alguns minutos, ouvi passos do corredor, e veio ele com o mesmo sorriso da lembrança com os braços abertos para me abraçar, e talvez sempre seja assim.


    DSC01663


    A todos os pais, um feliz dia!



  2. 4 comentários:

    1. Ai que texto lindo Taw!
      Eu sei bem como é isso de nem sempre dizer aos pais que os amamos, ficamos sempre com esse pensamentos de "eles sabem" mas sei lá, é bom falar de vez em quando...
      Você é uma ótima escritora Taw, e uma pessoa melhor ainda ^^

    2. Tawani Nunes disse...

      É bom sim, ter a mesma facilidade de dizer pra eles do que para qualquer outra pessoa, mas isso é difícil Lu, ainda mais como meus pais são um tanto "criados a moda antiga" é um pouco complicado, mas para tudo se tem jeito!
      Obrigada, mesmo!

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