12:10 e o Micro-ônibus parou na
frente da minha casa, desci e fui direto para o portão, não dei tchau para o
"tio da perua", mesmo ele tendo buzinado e gritado o meu nome, eu
estava com raiva e simplesmente não queria papo com ninguém. Eu não me lembrava
da minha mãe falando que iria sair à tarde, mas me deparei com o portão
trancado. Bufei sem esperanças, eu iria torrar naquele sol ardido, ou me
arriscaria a pular o muro bem alto que tinha do vizinho pra minha casa e
provavelmente teria levado um capote daqueles, se não tivesse avistado meu avô
encostado no balaústre e escutado ele gritando com os meninos que desciam
loucamente a rua em declive com seus carrinhos de rolimã recém montados.
- Oi Vô! O senhor sabe da minha mãe? -
perguntei acenando para que ele pudesse me dar atenção e esquecer dos meninos.
- Sua mãe foi no médico, ela não chegou ainda
- ele disse, parecia mal humorado - Mas pode vir, tem almoço fresquinho “fia”!
– e assim voltava a voz nem sempre tão doce que meu avô tinha.
Sorri e corri para o outro
portão. O terreno antes do casamento dos meus pais era um só, hoje em dia é um
muro bem grande que separa a casa dos meus avós da dos meus pais, inclusive já
caí desse muro fazendo como diz minha mãe, “macacada”. Era legal pular o muro,
era minha maior adrenalina com seis anos, eu não tinha muitos amigos, tinha que
inventar minhas brincadeiras se quisesse.
Entrei na casa e subi as
escadas, naquela época a casa não tinha cor por fora, era bem simples na
verdade, hoje ela é amarela, mas ainda prefiro a época que era verde, ou quando
era original mesmo, sem cor nenhuma.
Estiquei a mão quando estava
bem próxima meu avô e fiz o de costume, tão esquecido pelos jovens de hoje em
dia, ainda menos ensinado para as crianças de mesma época.
– A Benção Vô!
– Deus te abençoe! – ele
respondeu sorrindo, era incrível como ele não tinha mudado nada conforme foi
passando o tempo, desde que eu me conhecia por gente sempre fora rechonchudo e
de pele grossa, branco, porém com as marcas de sol que toda pessoa que passou a
vida a trabalhar debaixo do sol bem quente tem. – Sua avó “tá” lá dentro com
seu primo! – ele disse por fim soltando minha mão. Ainda reparava nele, por
mais que demorasse segundos antes de eu me virar e correr para o corredor,
percebi cada detalhe do tecido da jaqueta preta dele, tactel, nada muito
glamoroso, meu avô não gostava nada dessas “Frescuras”. A calça social surrada, não
porque não tinha outras, ele tinha e muitas, mas gostava daquela, por baixo da
blusa sempre uma camisa social com os dois botões abertos, deixando os pelinhos
do peito já brancos aparecerem. Seu boné sempre escondia seu rosto, eu não
entendia qual era a do boné, mas era ele, então.. Bom, não precisava entender.
Nunca precisou.
Me vi (em sonhos ainda me
vejo), correndo naquele corredor de piso branco, onde eu costumava brincar de
pista de corrida com meu primo que darei aqui o apelido de G, para não expor
sua vida, ninguém precisa saber o nome. Enfim, entrei na casa e virei a
esquerda, no final de tudo era a cozinha, tinha o cheiro da minha avó, doce,
porém com um tiquinho de óleo. Ela não tem mais esse cheiro, mas ele ficou na
memória. Esse e o cheiro da batata frita que ela fazia, o almoço era esse
naquele dia: Arroz, feijão, batata frita ( em forma circular) carne moída e uma
laranja. Ninguém nunca na face da terra fará uma comida igual minha vó fazia,
ainda mais se for essa. Minha avó não cozinha mais, mas aquele prato daquele
dia, e de todos os outros valeram a vida.
G e minha avó estavam comendo
quando atravessei a copa e subi o degrau pra cozinha. Sorri para eles e
retribuíram de boca cheia, era tão natural e completamente mágica aquela cena,
engraçado só perceber isso assim, depois de tanto tempo, tão distante, como se
fosse uma lembrança jogada na penseira de Dumbledore. Sentei jogando a mochila
no canto, a cozinha da minha avó não era grande, mas era bem confortável. Minha
vó já levantou-se e foi colocar a comida no prato pra mim, eu não precisava
falar, ela sabia a quantidade, e sabia também que era o feijão por cima do
arroz, e bastante batata, eu nunca precisei dizer. Colocou o prato na minha
frente e um garfo e uma colher do lado, junto com a laranja. O negócio era
comer a laranja com a colher, tirando todo o líquido dela, uma garfada de
comida, uma colherada de laranja. Cara, nada mais delicioso. Pelo que eu tinha
percebido meu avô já tinha almoçado. Então comemos como se não houvesse amanhã,
G e eu papeamos sobre coisas aleatórias que crianças geralmente falam. Ele não
morava mais com a gente, tinha se mudado para o interior de São Paulo, e eu só
o via nas férias.
Costumávamos brincar com os
dominós do meu avô sem ele saber, se soubesse era bumbum vermelho na certa.
Pegávamos, aquela "jaqueta" própria de guardar o jogo, era verde
musgo já envelhecida, ou era vermelha? Nem cheguei nos trinta e nem lembro
mais, é assim que as coisas somem, a gente vai esquecendo... Pois bem,
brincávamos de construir casas, alguns móveis, e até pistas de corrida. Ficamos
a tarde ali e quando chegou a hora do café da tarde e minha prima mais velha,
vou chamá-la de C, veio comer com a gente. Quando meus pais chegaram, lembro
que minha mãe começou a me gritar, mas eu não queria ir embora, queria ficar
ali, brincar mais, eu quase não tinha companhia. Fiz birra e não fui, e nessa
hora meu pai apareceu com o violão, o que era minha desculpa pra conseguir
ficar mais um pouco. Logo meu tio chegou (pai do G) e pegaram banquinhos pra
colocar na varanda. Meu avô pegou o violão para afinar, meu primo sentou, eu
sentei do lado do meu pai, minha avó sentou-se num sofá que tinha lá fora.
Naquela época meu avô fazia uns servicinhos pro amigo dele, ajudando-o a
retirar linhas dos carretéis, aqueles que geralmente estragam no processo. Ele
sempre tirava a noite para isso, e enquanto ele começou a tirar, meu pai
começou a tocar e na mesma melodia meu tio, eu e meu primo cantávamos
desafinados as modas de viola ensinadas pelo meu avô, mas não tinha problema,
claro que não, aquilo era o mais bonito da nossa realidade. Cantávamos com
fervor, alegria, ríamos quando errávamos e então recomeçávamos. Era festa em
plena quinta-feira. Ou era sexta?
E observando tudo aquilo minha
avó ficava, sorrindo feito criança, alegre por ver os filhos e os netos em puro
júbilo, ela sorria maravilhosa. Pegava seu lenço e passava na boca, cruzava os
braços e sorria. Ela assim como eu não deve esquecer desse dia, ou até tenha
esquecido, mas o que me deixa mais feliz é que todos nessa lembrança estarão
presente no meu coração de alguma forma. Mesmo que nem todos estejam mais presentes
na vida de quem vos escreve no momento, eles estarão presente no coração.
Obrigada.
Não sabia que você escrevia tão bem!
Amei <3
Obrigada Derso, vindo de você significa muito ♥
Eu nunca Vou me esquecer desta época ;(
Muito menos eu Gi! Foi e sempre será muito especial! Aqueles dois "velhinhos" estarão para sempre aqui dentro ♥
Oi meu anjo. Vc tem muito talento, o texto e precioso. Beijos
❤ Blog Capricho Literario
Oi Ludy! Obrigada <3